quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Determinismo e livre-arbítrio


John Wayne Gacy (1942 - 1994), também conhecido como "o palhaço assassino", foi um serial killer americano condenado e executado pelo estupro e assassinato de 33 meninos e rapazes entre 1972 e sua prisão em 1978.

Como sabemos, John foi fruto da relação sexual entre um homem e uma mulher. Imaginemos, no entanto, que no dia dessa relação, após o encontro do espermatozóide e óvulo do casal, a vida que passou a se formar no útero da mulher foi a princípio sua, ao invés da de John. Note que ainda assim, o espermatozóide e o óvulo são os mesmos que deram origem a John, portanto, o material genético também será o mesmo. Os pais de John (que agora é "você") continuariam vivendo a vida normal deles, ou seja, A mesma que eles viveram sendo pais do John de verdade. Desta forma, todas as ações deles seriam exatamente iguais, e o feto teria rigorosamente a mesma exposição a radiações, acesso a exatamente os mesmos nutrientes, TODAS as condições de gestação RIGOROSAMENTE IGUAIS. Como consequência disso, você terá exatamente a mesma formação do John de verdade e nascerá no mesmo dia, mesmo segundo, mesmo instante em que John, terá cara de John, cérebro de John, tudo de John. Sem motivos para alterar o curso de suas vidas, seus pais te criariam da mesma maneira que John, na mesma cidade, com os mesmos vizinhos, te colocariam na mesma escola, etc.

Nessas condições, você acha que algum dia mataria alguém?


Minha resposta: Sim.

Afinal perguntar isso é como se fosse perguntar "Se John tivesse vivido toda a sua vida exatamente da mesma forma e na mesma época que ele viveu até momentos antes de seu primeiro assassinato, ele mataria alguém?". Isso aconteceu, e ele matou. Por que razão ele deixaria de matar? Nenhuma. Todas as "razões" que ele tinha para fazer qualquer coisa eram as mesmas, portanto ele faria exatamente a mesma coisa.

Claro que estou analisando a situação de uma perspectiva materialista/monista. Quando digo que "a vida que passou a se formar no útero da mulher foi a princípio sua", isso fica aberto a interpretação. Quando eu falo que o material genético e as experiências de vida são iguais, para um materialista perde-se a distinção entre a "sua vida" e a "de John". Isso pode parecer um dado confuso na formulação da pergunta e, de fato, não fica muito claro. Mas foi uma "vagueza" que preferi manter pois acho interessante que o leitor faça sua própria interpretação. É surpreendente o quanto pessoas a princípio não-materialistas acabam interpretando da mesma forma que as materialistas. É uma das várias situações que mostram que pessoas religiosas podem ser absolutamente racionais desde não percebam que o assunto envolve questões de fé.

Se as ações de uma pessoa são conseqüência apenas de características sobre as quais a pessoa não teve influência, então não existe livre arbítrio. Ninguém escolhe os pais, nem suas condições de gestação, nem a criação. No instante que uma pessoa nasce todas as suas atitudes serão conseqüência dessas condições iniciais e posteriormente das atitudes anteriores. Pensando assim, tudo está pré-determinado. Suas ações vão se basear em coisas que você não controla. Supondo que você tenha um filho, ele será conseqüência dessa cadeia de fatos, assim como o filho dele será (e você também é), e assim por diante.

6 comentários:

  1. Levando em consideração que as "características sobre as quais a pessoa não teve influência" são completamente randômicas, acontecerem de forma idêntica duas vezes seria virtualmente impossível e portanto tirando esse caso absurdo criado para que "fôssemos John", não haveria outra forma de qualquer pessoa ser exatamente igual a ele. Até mesmo se pudéssemos retroceder o tempo até o engravidar da mãe de John, a chance de tudo acontecer precisamente igual para John é quase inexistente, dado que o mundo é caótico e imprevisível.

    Concordo, talvez, com nossas ações serem baseadas em nossas experiências, mas se nossas experiências são completamente aleatórias e dependentes de outras experiências e assim por diante, então o conceito de livre-arbítrio torna-se um pouco mais tangível, apesar de ainda ser mentiroso. Afinal, ainda dependeríamos do destino, mas pelo menos nosso destino é incerto e poderíamos acabar como praticamente qualquer coisa.

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  2. Sua lógica é coerente mas se baseia numa premissa que eu realmente não esperava ouvir
    como argumento. Que as "características sobre as quais a pessoa não teve influência" são
    completamente randômicas" e "o mundo é caótico e imprevisível". Não sei bem como interpretar isso. Certamente você concorda que existem coisas determinísticas na natureza. Suponhamos que você estivesse, por exemplo, sendo goleiro em um jogo de futebol e alguém chutasse a bola de longe em direção ao gol. Você se basearia na posição, direção e velocidade da bola para estimar onde e quando ela chegaria no gol. Você não esperara igualmente que ela fosse para qualquer lugar. Isso seria simplesmente insano. Esse é o tipo de "comportamento" a que eu me refiro como "determinista".

    Suponho portanto que você acredite que, embora certas coisas sejam determinísticas, também haja muitos fatores aleatórios influenciando o decorrer dos eventos. E é aí que discordamos profundamente. Eu até concordo possam existir fatores aleatórios, mas acho que SE existirem, não pouquíssimos. A maioria das coisas que são tratadas como aleatórias na vida prática nada mais são do que cadeias de eventos complexas demais para que possamos com nosso conhecimento atual determinar todas as causas. Tomemos o próprio jogar de um dado como exemplo. Se você jogar um dado sem rodá-lo, em uma superfície macia em que ela não quique, há uma chance grande de que ele caia com o mesmo número que estava virado para cima no início. Mas se você jogá-lo normalmente em um chão sólido, é impossível determinar como ele vai cair porque são muitos fatores que entram em jogo. Então por isso, para todos os efeitos práticos, consideramos o jogar do dado um evento aleatório. Mas com uma descrição detalhada o suficiente do material do dado, da velocidade com que ele foi jogado, da composição do chão, etc, etc, etc, e com um computador poderoso o suficiente para efetuar todos os cálculos necessários, poderíamos em teoria determinar o resultado da jogada.

    Por muito tempo a comunidade científica e filosófica acreditou que o universo fosse determinista. Foi só com o surgimento da mecânica quântica que começou-se a considerar a possibilidade de que certas coisas não têm causa determinística. O decaimento de um elétron em uma partícula é tratada por alguns físicos como um evento realmente aleatório. Esses físicos acreditam que não importa quanto conhecimento tenhamos sobre a partícula, nunca poderemos dizer quando ou que elétron vai decair.

    Isso pra mim (e outros) é algo extremamente contra-intuitivo. É difícil conceber algo que acontece simplesmente "sem nenhuma razão". Por isso fico tão surpreso com a sua opinião de que quase tudo é caótico e aleatório.

    Antes que isso se torne um novo post aprofundando mais no assunto (embora talvez agora tarde demais). Que tipo de evento você considera aleatório? Que tipo de evento macroscópico da vida de John você acha que poderia ser diferente, por exemplo, dado que todas as condições iniciais eram as mesmas? Eu não consigo imaginar nenhum.

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  3. Entendo que denominamos "aleatório" todo evento cujos fatores envolvidos são insuficientemente compreendidos. A partir do momento em que passamos a compreender o funcionamento desses fatores (isso após descobrir quais fatores efetivamente atuam), o adjetivo "aleatório" perde o uso. Até "outro dia", eventos como "chuva no final de semana" eram considerados tão aleatórios quanto o decaimento do elétron. "Aleatoriedade" me parece mais um conceito útil para a vida prática do que um conceito verdadeiro, por assim dizer. O giro de uma roleta por um apostador só produz resultados "aleatórios" porque o apostador não tem controle exato da força com que a movimenta, nem estuda instantaneamente as variáveis envolvidas (atrito com o ar, propriedades da máquina, etc.), mas certamente uma máquina programada para girar a roleta com uma força exata, em um laboratório que preserve intactos os fatores externos que influenciam o movimento, certamente produzirá o mesmo resultado.

    No caso do John, não acho que, nessa hipótese teórica, (já que obviamente ninguém voltaria no tempo para "ser o John" no lugar dele próprio), todas as "minhas" atitudes seriam exatamente as mesmas. A hipótese me parece, na prática, exatamente um "replay": "eu ser o john" me parece uma ideia que só confunde por que o leitor dá ênfase ao verbo "ser". Na verdade, "ser" o John ou "ser" outra pessoa, nessa hipótese, não é uma distinção, pois a pessoa é exatamente a mesma, e não há nada que possa diferenciar o John e o "eu nascendo no lugar do John com todas as suas características". Em resumo, temos: hipótese 1 - "John nasce normalmente e vive sua vida", caso em que John matará pessoas por ser alguém com determinadas características em meio a dado ambiente... hipótese 2 - "Eu nasço no lugar do John, com todas as suas características em meio ao mesmo ambiente", caso em que eu matarei pessoas pelos mesmíssimos motivos que levariam John a matá-las. Talvez, aliás, a ênfase no "eu" e no "John" também seja uma impropriedade... "eu" e "John" não seriam pessoas diferentes: estamos falando da mesma coisa, mas mudando o nome. É como achar que minha gata vai passar a dormir menos se eu mudar o nome dela. Imaginar o que aconteceria se eu nascesse no lugar do John - com todas as características dele e sendo idênticos o ambiente e todas as pessoas que, direta ou indiretamente, tivessem cruzado o seu caminho - tem o mesmo efeito prático de um "replay". É rever o mesmo filme, e ninguém espera que o Titanic não vai bater no iceberg em alguma das 200 vezes que assistir ao filme, simplesmente porque nenhum personagem vai resolver mudar a sua fala, o vento não vai mudar a direção, o navio não vai reduzir mais a velocidade.

    Enfim, acho que o mundo não é caótico e imprevisível. Ele só é imprevisível e caótico se a base de julgamento for o nosso conhecimento liminato, e somente nessa hipótese. Muitas eventos que nos levariam a afirmar que o mundo é imprevisível são absolutamente previsíveis atualmente (imagine, por exemplo, os alertas que surgem quando um furação, tsunami ou terremoto está por vir). É claro, porém, que estamos longe de conhecer com precisão todas as variáveis relevantes envolvidas no decorrer da vida de uma pessoa "X", incluindo o funcionamento do cérebro dela e de todas as outras envolvidas numa enorme rede de pessoas que de alguma forma afete a X, e de todos os fatores externos que possam influenciar na vida de X e das demais... mas, se conhecêssemos, seria mesmo possível saber exatamente onde estarei e o que estarei fazendo em 25 de março de 2052.

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  4. Sua lógica é coerente mas se baseia numa premissa que eu realmente não esperava ouvir
    como argumento. Que as "características sobre as quais a pessoa não teve influência" são
    completamente randômicas" e "o mundo é caótico e imprevisível". Não sei bem como interpretar isso. Certamente você concorda que existem coisas determinísticas na natureza. Suponhamos que você estivesse, por exemplo, sendo goleiro em um jogo de futebol e alguém chutasse a bola de longe em direção ao gol. Você se basearia na posição, direção e velocidade da bola para estimar onde e quando ela chegaria no gol. Você não esperara igualmente que ela fosse para qualquer lugar. Isso seria simplesmente insano. Esse é o tipo de "comportamento" a que eu me refiro como "determinista".

    Suponho portanto que você acredite que, embora certas coisas sejam determinísticas, também haja muitos fatores aleatórios influenciando o decorrer dos eventos. E é aí que discordamos profundamente. Eu até concordo possam existir fatores aleatórios, mas acho que SE existirem, não pouquíssimos. A maioria das coisas que são tratadas como aleatórias na vida prática nada mais são do que cadeias de eventos complexas demais para que possamos com nosso conhecimento atual determinar todas as causas. Tomemos o próprio jogar de um dado como exemplo. Se você jogar um dado sem rodá-lo, em uma superfície macia em que ela não quique, há uma chance grande de que ele caia com o mesmo número que estava virado para cima no início. Mas se você jogá-lo normalmente em um chão sólido, é impossível determinar como ele vai cair porque são muitos fatores que entram em jogo. Então por isso, para todos os efeitos práticos, consideramos o jogar do dado um evento aleatório. Mas com uma descrição detalhada o suficiente do material do dado, da velocidade com que ele foi jogado, da composição do chão, etc, etc, etc, e com um computador poderoso o suficiente para efetuar todos os cálculos necessários, poderíamos em teoria determinar o resultado da jogada.

    Por muito tempo a comunidade científica e filosófica acreditou que o universo fosse determinista. Foi só com o surgimento da mecânica quântica que começou-se a considerar a possibilidade de que certas coisas não têm causa determinística. O decaimento de um elétron em uma partícula é tratada por alguns físicos como um evento realmente aleatório. Esses físicos acreditam que não importa quanto conhecimento tenhamos sobre a partícula, nunca poderemos dizer quando ou que elétron vai decair.

    Isso pra mim (e outros) é algo extremamente contra-intuitivo. É difícil conceber algo que acontece simplesmente "sem nenhuma razão". Por isso fico tão surpreso com a sua opinião de que quase tudo é caótico e aleatório.

    Antes que isso se torne um novo post aprofundando mais no assunto (embora talvez agora tarde demais). Que tipo de evento você considera aleatório? Que tipo de evento macroscópico da vida de John você acha que poderia ser diferente, por exemplo, dado que todas as condições iniciais eram as mesmas? Eu não consigo imaginar nenhum.

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  5. Sua lógica é coerente mas se baseia numa premissa que eu realmente não esperava ouvir como argumento. Que as "características sobre as quais a pessoa não teve influência" são completamente randômicas" e "o mundo é caótico e imprevisível". Não sei bem como interpretar isso. Certamente você concorda que existem coisas determinísticas na natureza. Suponhamos que você estivesse, por exemplo, sendo goleiro em um jogo de futebol e alguém chutasse a bola de longe em direção ao gol. Você se basearia na posição, direção e velocidade da bola para estimar onde e quando ela chegaria no gol. Você não esperara igualmente que ela fosse para qualquer lugar. Isso seria simplesmente insano. Esse é o tipo de "comportamento" a que eu me refiro como "determinista".


    Suponho portanto que você acredite que, embora certas coisas sejam determinísticas, também haja muitos fatores aleatórios influenciando o decorrer dos eventos. E é aí que discordamos profundamente. Eu até concordo possam existir fatores aleatórios, mas acho que SE existirem, são pouquíssimos. A maioria das coisas que são tratadas como aleatórias na vida prática nada mais são do que cadeias de eventos complexas demais para que possamos com nosso conhecimento atual determinar todas as causas. Tomemos o próprio jogar de um dado como exemplo. Se você jogar um dado sem rodá-lo, em uma superfície macia em que ela não quique, há uma chance grande de que ele caia com o mesmo número que estava virado para cima no início. Mas se você jogá-lo normalmente em um chão sólido, é impossível determinar como ele vai cair porque são muitos fatores que entram em jogo. Então por isso, para todos os efeitos práticos, consideramos o jogar do dado um evento aleatório. Mas com uma descrição detalhada o suficiente do material do dado, da velocidade com que ele foi jogado, da composição do chão, etc, etc, etc, e com um computador poderoso o suficiente para efetuar todos os cálculos necessários, poderíamos em teoria determinar o resultado da jogada.


    Por muito tempo a comunidade científica e filosófica acreditou que o universo fosse determinista. Foi só com o surgimento da mecânica quântica que começou-se a considerar a possibilidade de que certas coisas não têm causa determinística. O decaimento de um elétron em uma partícula é tratada por alguns físicos como um evento realmente aleatório. Esses físicos acreditam que não importa quanto conhecimento tenhamos sobre a partícula, nunca poderemos dizer quando ou que elétron vai decair.


    Isso pra mim (e outros) é algo extremamente contra-intuitivo. É difícil conceber algo que acontece simplesmente "sem nenhuma razão". Por isso fico tão surpreso com a sua opinião de que quase tudo é caótico e aleatório.


    Antes que isso se torne um novo post aprofundando mais no assunto (embora talvez agora tarde demais). Que tipo de evento você considera aleatório? Que tipo de evento macroscópico da vida de John você acha que poderia ser diferente, por exemplo, dado que todas as condições iniciais eram as mesmas? Eu não consigo imaginar nenhum.

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  6. Não há como provar a não-aleatoriedade das coisas, uma vez que até as medições mais precisas possuem justamente imprecisões, então sempre haverá probabilidades envolvidas no que tange a percepção humana.

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